Sempre tive muita curiosidade em entender sobre a perda aparente de voz que diversos sertanejos têm ao longo da carreira, e resolvi ir atrás do médico que operou o Zezé di Camargo.
Além do Zezé, o Dr. Luiz Cantoni é médico do Galvão Bueno, e foi responsável pela cirurgia nas cordas vocais do Frejat, oito anos atrás.
Tive uma extensa conversa com o Dr. Cantoni, e a entrevista foi divida em duas partes. Uma matéria no UOL e um bate-papo aqui no blog.
A matéria do UOL, que fala de Zezé, Galvão e de Bob Dylan, pode ser lida AQUI.
Abaixo, uma outra parte da conversa, que esclarece algumas dúvidas de quem aspira cantar profissionalmente e até mesmo dos cantores de chuveiro.
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Doutor Luiz Cantoni é médico otorrinolaringologista, foniatra, e músico. Formou-se na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e se especializou em ‘voz’ justamente pela paixão por cantar. Suas cirurgias, na maior parte dos casos, são acompanhadas por terapias e aulas de canto desenvolvidas e ministradas por ele mesmo.
-Os sertanejos não têm mais problemas do que deveriam?
Pode ser, há uma incidência grande, muito por conta da falta de conhecimento do instrumento. Há também um paralelo interessante de se fazer. Imagine um jogador de futebol, que faz parte de um meio que gera tanto dinheiro quanto o meio da música. Durante um jogo, ele tem ali do lado um médico, um fisioterapeuta, um massagista, um técnico e toda estrutura para que ele esteja seguro o máximo possível. Agora pegue um cantor. Durante um show, quem está com ele? Isso já responde algumas coisas.
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-Qual a primeira dica que você daria a um cantor que toca na noite, muitas vezes por horas, e que não tem acompanhamento de uma fono ou de um médico?
As pessoas falam muito em exercício, mas o mais básico pra um cantor, seja ele iniciante ou consagrado, é a regulagem do som. Não há exercício algum que vai te salvar se você estiver com um som mal regulado. Quando você for comprar seu equipamento de som, dê atenção primeiro a uma caixinha pra você usar como retorno, só pra você ouvir sua voz. Se você ouve sua voz perfeitamente, você não vai fazer nenhum esforço pra cantar, e sua voz vai acabar o show com a mesma qualidade que começou. Então minha primeira dica, antes de se preocupar com qualquer exercício, é ficar atento a como você ouve sua voz no palco. Já ouviu o Roberto Carlos forçar em algum momento a voz dele? Ele é um dos que mais se preocupa com a regulagem, termina um show sem esforço algum.
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-Quais são os erros mais comuns que você nota ao ver um show ou ao conversar com um cantor?
Há algo que as pessoas devem prestar muita atenção. Se você termina o show rouco, nem que seja um pouquinho rouco, há algo de errado acontecendo. Ao contrário do que muita gente pensa, acabar um show com a voz rouca é um problema. Pode ser tanto apenas uso errado quanto um problema mais grave, mas normal não é de forma alguma. Eu mesmo já conversei com cantores que me disseram: “nossa, doutor, cantei demais que saí até rouco”. Isso é um erro, a pessoa preparada pra cantar não pode ficar rouca ao fim da apresentação.
Outro problema complicado é que quando o cantor tem um problema, ele não procura um médico. A primeira pessoa que você tem de procurar é um médico. A fonoterapia quem vai te indicar é um médico, e isso não é uma defesa por eu ser médico, mas porque um determinado exercício pra uma corda doente pode significar o agravamento da doença. Eu opero de 50% a 60% das pessoas que passam pelo consultório, e grande parte delas tiveram seus problemas agravados ao buscar terapias alternativas e não um médico.
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Como nasce um problema nas cordas?
Imagine um cantor, sem técnica, fazendo muita força pra cantar. A primeira coisa que acontece são as lesões traumáticas, quer dizer, aqueles vasos pequenos estouram, e então você tem um súbito sumiço de voz. Você termina o final de semana rouco, descansa durante a semana, e no outro final de semana já está recuperado. Mas com a repetição das lesões, o período de recuperação passa a ser maior, e você nota que a rouquidão já não some como antes. Tem gente que vai nesse ritmo por anos e anos, sem imaginar o que está causando na corda vocal. Na tentativa de melhorar, a pessoa muda o repertório do show, muda o tom das músicas, procura alguma alimentação que ajude, tenta mudar de hábito, tudo pra evitar ir ao médico. Quando ele decide ir ao médico, na maioria das vezes, o estado da corda vocal já é grave.
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-O cigarro e a bebida prejudicam?
É complicado você dizer que o cigarro vai causar algo diretamente, se há diversos artistas que têm esse hábito e nunca apresentaram problemas nas cordas. Os males causados pelo cigarro e pela bebida ao organismo são de conhecimento de todos, então não é recomendável, seja você cantor ou não.
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-O que é exatamente a técnica? Quanto tempo uma pessoa leva pra aprender a cantar corretamente?
A técnica só serve pra ajudar a pessoa que quer cantar. Saber usar a técnica entender o quanto de ar é necessário pra emitir o som, é saber utilizar o diafragma em vez da garganta. Em uma aula, a pessoa já percebe que ali há algo diferente, a reação é imediata. Mas pra aprender e por em pratica, como em qualquer comportamento humano, é necessário que o ensinamento seja repetido por 3 meses pra entrar no automático. Posso te dizer que em 6 meses, qualquer pessoa aprende a cantar da forma correta.