O que "Ai, Se Eu Te Pego" ensina à música sertaneja
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O que “Ai, Se Eu Te Pego” ensina à música sertaneja
O que "Ai, Se Eu Te Pego" ensina à música sertaneja

Como sei que há os que não gostam de textos mais longos, fiz uma marcação simples nos tópicos, são apenas quatro, só pra ficar mais fácil se situar.

O sucesso de “Ai, Se Eu Te Pego” trouxe uma oportunidade boa pra gente parar e pensar sobre algumas práticas do mercado sertanejo. Nesse período mais devagar de férias, dá pra refletir sobre algumas coisas.

-A música sertaneja hoje é comercial. Há quem faça o não-comercial, mas a base do que se faz hoje é comecial. Logo, quem faz um CD com o intuito de fazer sucesso e não faz sucesso, não completou o ciclo. Pode até ter um CD bem produzido, com músicas boas, mas não atingiu o objetivo.

Esse lance de “vida real” é cruel. Pegue “Sonhando”, CD da dupla Bruno e Marrone, como exemplo. No ímpeto de se adequar, fugiram de seu estilo e foram criticados. Não fecharam o ciclo. No disco seguinte, voltaram atrás e lançaram um trabalho mais do que elogiado. O problema é que, infelizmente, não nasce Bruno e Marrone em árvore, então a maioria não tem pra onde correr.

Essa tentativa deles de ‘atualizar’ a música foi consequência direta do funcionamento do mercado atual. O próprio Bruno, em uma entrevista aqui o blog no ano passado, disse que chegou um momento em que não sabia muito bem o que gravar.

-Assim como muitos que aqui frequentam, também acho que o “Ai, Se Eu Te Pego” se tornou uma obsessão por parte de novos artistas, só que não pela busca sem controle de um bordão novo, mas sim pelo mecanismo de se pegar qualquer música do Nordeste com a esperança de que ela faça sucesso. Algumas são legais, acabam tendo destaque, mas é claramente um caminho frágil.

Defendo a busca pelo bordão pelo simples fato de que ele funciona demais, e o bordão simples, popular, fácil, é o melhor caminho pra atingir muita, muita gente.

O publicitário Antonio Tabet, responsável pelo site de humor KibeLoco, é roteirista de humor da Globo. Tabet contou em um texto que, quando começou a trabalhar na emissora, ouviu a seguinte frase: “fazemos televisão para a mãe do Romário”. Dona Lita, mãe do jogador, seria o exemplo do que é popular. É a pessoa que vai ao mercado e repete o bordão sem medo de ser feliz (quem quiser ler esse texto que conta essa história do Tabet, pode clicar aqui).

-A busca por composições nordestinas mostra que o distanciamento do mercado sertanejo e das classes mais populares continua problemático. Aproveitar das classes altas nos grandes centros é uma ótima sacada, já que essas classes gastam bem e pautam a mídia em geral, mas o sucesso arrebatador, como todo mundo sonha, necessariamente precisa passar pela aprovação popular.

É aí que o Nordeste leva vantagem. Os dois hits mais comentados do ano passado (do Michel e do Gusttavo) vieram de cima. Tem dado a impressão de que há um medo em soar brega em uma composição própria. Como no Nordeste não há essa preocupação, as composições parecem falar de forma mais direta com o público. Desde quando simplificar é ruim? O sertanejo teve origem com uma viola e duas vozes.

-Michel é um bom exemplo pra se usar na discussão sobre o fim do formato “CD”. Ele tem três hits em menos de três anos de carreira, fato difícil de alguém repetir. Michel gravou cerca de 40 músicas diferentes durante sua empreitada solo (divididas em 3 CD’s), no entanto, “Ei, Psiu…”, “Fugidinha” e “Ai, Se Eu Te Pego” não deixaram as outras aparecer, nem mesmo as que se tornaram música de trabalho.

Até os anos 1950, não existia sequer LP, havia os 78RPM com uma música de cada lado. Após 1950 é que a ideia do LP foi formatada pra ser um produto interessante na visão das gravadoras. Ou seja, não se trata de um produto eterno.

Então eu pergunto pra você, que é artista novo e tenta entrar no mercado: pra que gastar 20 músicas e alguns milhares de reais se você vai, no máximo, trabalhar três ou quatro músicas? As duplas grandes ainda podem ter justificativas, já que têm fãs e o trabalho delas é uma realidade (sinceramente, acho que nem as duplas grandes precisam disso), mas qual o sentido de um artista pequeno investir em um CD cheio?

Hoje, dia 1 de fevereiro, faz 17 meses que Jorge e Mateus lançaram o último disco, quase um ano e meio. Por acaso sumiram? Pararam de fazer shows? Durante o ano passado, lançaram “Pra que entender?” e “Eu quero só você”, mudaram o repertório do show e continuou tudo bem. Sei que a ideia era a de lançar um disco, o atraso não foi exatamente proposital, mas serve como um bom exemplo.

Ter prazo ou limite pra se lançar um CD é mostrar que o mercado mudou, mas que a maioria dos artistas continua trabalhando como se houvesse uma grande gravadora bancando tudo por trás, inclusive artistas que nem gravadora tem.

Em outras palavras, veem um mundo novo e aberto a frente, mas tem medo de sair do passado, que já está velho e não funciona mais.